O Professor João José Rodiles Fraústo da Silva, um dos vultos mais influentes na ciência e cultura em Portugal, foi um “homem das duas culturas” que sempre preferiu “fazer” ou “fazer acontecer” em vez de “estar”. Este artigo representa uma breve nota sobre a sua biografia, testemunhada pelo autor como um dos seus discípulos, ilustrando aspetos da sua personalidade e algumas atividades que desenvolveu ao longo da sua vida tão rica, em instituições emblemáticas na ciência, na cultura e na administração pública no nosso país. Surge no âmbito da celebração dos 90 anos do seu nascimento pela Sociedade Portuguesa de Química como reconhecimento da contribuição excecional que prestou para o desenvolvimento das Ciências Químicas. O Professor Fraústo da Silva perdurará como uma inspiração, um exemplo a seguir e um Amigo a recordar, tal como evidenciado nesta contribuição.
Descrevem-se qualitativamente os princípios da teoria do campo cristalino, analisando mais em pormenor complexos octaédricos de Co(II) e Co(III) (complexos de Werner). Obtém-se o desdobramento dos níveis d, e discute-se os dois modos alternativos de preenchimento electrónico (complexos de alto spin e baixo spin) e as consequências nas propriedades (número de electrões desemparelhados, magnetismo, distorções de Jahn-Teller). Um estudo computacional permitiu calcular para uma série de ligandos as energias de transição de spin entre as duas formas e interpretar “a força” dos ligandos. Aborda-se ainda um complexo binuclear de Werner sintetizado no fim do século XIX e caracterizado por difracção de raios-X cerca de cem anos depois, cuja estrutura electrónica foi estudada (DFT).
As interações não-covalentes (NCIs) entre moléculas são de muito fraca intensidade, bem inferior à das ligações covalentes convencionais mas, mesmo assim, afetam o design, a síntese, a estabilidade estrutural, as propriedades físico-químicas e, portanto, as potenciais aplicações das espécies obtidas. São dados exemplos de ligações de hidrogénio assistidas por ressonância (RAHB) e por carga (CAHB). Tais contactos podem ser controlados pelo pH do meio e pela temperatura, influenciando a formação de agregados supramoleculares, a resolução de isómeros, a reatividade, etc. São também dados exemplos de ligações de halogéneo (HaB) e de calcogéneo (ChB), bem menos conhecidas, as quais se baseiam na existência, nesses átomos, de regiões com potencial eletrostático positivo - os vazios-sigma - na direção das ligações covalentes que os envolve. Tais interações permitem a criação de novos tipos de materiais com diversas propriedades estruturais.
Os agregados de ferro-enxofre são grupos prostéticos ancestrais na escala de evolução e omnipresentes em todas as formas de vida. Foram reconhecidos, desde 1966, por estarem envolvidos em reações de transferência eletrónica, mas várias outras funções foram identificadas, que podem ser atribuídas à sua coordenação flexível e propriedades redox (ex., regulação metabólica, sensores, e processamento de DNA em vias biossintéticas e de reparação). Neste artigo são descritos estudos em agregados de ferro-enxofre [3Fe-4S] e [4Fe-4S], com foco na interconversão estrutural, aproveitada para marcação isotópica e substituições metálicas, sendo revista uma metodologia interessante para fins espectroscópicos e síntese/design de biocatalisadores.
O Professor Fraústo da Silva teve um papel determinante na introdução em Portugal, assim como no desenvolvimento a nível mundial, da Química Bioinorgânica. Neste texto identificam-se alguns dos seus contributos neste domínio, assim como desenvolvimentos por outros autores em temas relacionados com a Química Bioinorgânica (dar-se-á destaque aos sistemas de ferro-enxofre e boro), que podem dar suporte a novas abordagens em Química Prebiótica.
O carbono é o macroelemento fundamental da vida, mas esta não é possível sem a presença de outros elementos essenciais onde se incluem os metais de transição. O ferro desempenha um papel crucial em processos como a síntese do DNA, a respiração celular e a fotossíntese. A sua importância resulta da abundância natural e da capacidade de alternar entre estados de oxidação e de spin total, com potenciais redox que podem ser finamente ajustados com a escolha correta de ligandos. Contudo, a evolução da vida trouxe desafios significativos relacionados com a biodisponibilidade deste elemento, levando a uma diversificação de estratégias para a sua aquisição, como a produção de sideróforos por bactérias, fungos e plantas. O nosso grupo investiga o potencial de unidades quelantes, do tipo 3-hidroxi-4-piridinona (3,4-HPO), no combate a doenças infeciosas, e na clorose férrica em plantas. Os resultados obtidos evidenciam o potencial e a versatilidade das 3,4-HPO no controlo eficaz da homeostasia do ferro nos diversos organismos.
Quando se estudam interações e efeitos biológicos de complexos de iões metálicos lábeis, os investigadores admitem frequentemente que os compostos mantêm a forma em que foram preparados. Usando exemplos de compostos de cobre(II) e de vanádio(IV e V), chama-se a atenção e demonstra-se que isso normalmente não acontece. Quando estes complexos, cujos iões são cineticamente lábeis, são adicionados a meios biológicos, irão ocorrer reações de hidrólise, troca de ligandos e/ou de oxidação-redução, que dependem do pH e da concentração das espécies presentes nesses meios. Quanto menor a concentração do complexo no meio em que é dissolvido, ou maior o número e/ou a concentração de potenciais ligandos, mais extensamente os processos de hidrólise e/ou troca de ligandos se dão. Conclui-se que propostas de mecanismos de ação ou de identificação de espécies biologicamente ativas têm de considerar a especiação desses metais nos sistemas em estudo.
A doença de Alzheimer (AD) é a forma de demência mais comum e mais grave em todo o mundo, e ainda incurável, contando-se que o número de pacientes continue a crescer, uma vez que a idade é um fator determinante e a esperança de vida tem vindo a aumentar. O cérebro dos doentes com AD caracteriza-se pela acumulação de agregados de proteínas, nomeadamente de β-amiloide (Aβ) extracelular e de novelos neurofibrilares (NFT) intracelulares, assim como uma acentuada quebra de neurotransmissores colinérgicos. Outras hipóteses etiológicas para a AD são a dishomeostase de biometais e o stress oxidativo. Este artigo de revisão faz uma apresentação crítica dos fármacos disponíveis no mercado, assim como do papel de alguns biometais (ferro, cobre e zinco) e do stress oxidativo no despoletar e progresso da AD. Finalmente, são indicadas as mais relevantes estratégias recentemente publicadas sobre o desenvolvimento de novos agentes quelantes de metais multifuncionalizados, com o objetivo de interferirem nos múltiplos processos da AD, os quais têm emergido como opções promissoras para potenciais terapias.
Nas últimas décadas, tem ocorrido um interesse crescente nas aplicações de metais em biologia, farmacologia e medicina, sendo exemplos o vanádio, o tungsténio, o ouro e o zinco. Para além dos complexos metálicos, os polioxometalatos (POMs), uma família diversificada de oxoaniões de metais de transição (Mo, W, V), têm sido igualmente alvo de atenção devido aos seus potenciais efeitos antibacterianos, anticancerígenos e antivirais, entre outros. Neste artigo, descreve-se de uma forma sucinta alguns efeitos celulares e possíveis mecanismos de ação de POMs de vanádio e tungsténio e de complexos de ouro que apresentam atividade anticancerígena, antiparasitária e/ou antidiabética.
A desnitrificação é uma das principais vias do ciclo biogeoquímico do nitrogénio, permitindo a utilização de nitratos e nitritos como aceitadores finais da respiração anaeróbia. Esta via é composta por quatro reações consecutivas, de abstração de átomos de oxigénio, que são catalisadas por quatro metaloenzimas diferentes, que apresentam centros catalíticos contendo Mo, Cu e Fe. Esta via metabólica tem sido amplamente estudada por bioquímicos do ponto de vista estrutural e funcional, com destaque para os centros ativos metálicos das enzimas, bem como por químicos bioinorgânicos que sintetizaram diversos compostos modelo destes centros ativos. As estruturas destas enzimas foram sendo resolvidas, e centros metálicos únicos foram sendo revelados, como o centro “CuZ”. A aplicação de técnicas espectroscópicas, bioeletroquímicas, biofísicas e estudos cinéticos permitiram identificar alguns dos intermediários catalíticos, e obter informação estrutural sobre os complexos de transferência eletrónica e a estabilidade destas enzimas. Apesar dos avanços, algumas questões mantêm-se sem resposta, e o estudo desta via continua a ser fundamental quer para o controlo da emissão de gases com efeito de estufa quer para controlar o excesso de nitratos no solo, na água e no ar.
A cor azul difundiu-se nas plantas terrestres após o aparecimento das antocianinas nas angiospermas durante o Cretáceo Médio, há cerca de 100 milhões de anos. No entanto, as antocianinas na sua forma mais simples são incapazes de conferir a cor azul e a Natureza desenvolveu estratégias sofisticadas para fixar o azul, como a copigmentação, a acilação dos açúcares e a complexação com metais. Sistemas semelhantes de cores baseados em furanoflavílio (em hepáticas - há cerca de 420 milhões de anos) e 3-desoxiantocianinas (musgos - há cerca de 360 milhões de anos e fetos - há cerca de 330 milhões de anos) apenas dão amarelo (catião flavílio) e vermelho (bases quinoidais), mas não azul. A cor azul está ausente nas primeiras pinturas rupestres paleolíticas. Quando as técnicas de tingimento apareceram no Neolítico, o vermelho e o amarelo foram usados muito antes do azul. O azul não era uma cor apreciada durante a Antiguidade Romana, mas nos nossos dias é uma das cores mais prezadas. No que respeita a minerais e alquimia, os humanos tinham um acesso limitado ao azul. Os LASERS azuis surgem depois dos vermelhos e verdes e a produção de flores azuis adaptadas aos mercados foram desenvolvidas por meio de engenharia genética, somente no final do século XX.
Na Catedral de Turim está um pano que a tradição diz ter envolvido o corpo de Jesus de Nazaré após a sua crucificação. Referimos os fundamentos e capacidades científicas de alguns dos métodos de análise química que nos garantem que o Sudário não pode ser uma fraude. Por exemplo, obtemos uma imagem do rosto do homem do Sudário; vê-se que teve morte por crucificação; pode explicar-se as causas dessa morte; prova-se que tal aconteceu pela Páscoa e em Jerusalém; vê-se que tinha 175 ± 2 cm de altura, levou 120 chicotadas, com um chicote usado pelos romanos; caiu no solo numa rua de Jerusalém; determina-se o local onde os pregos foram espetados, bem como onde uma lança o atravessou. Mostrou-se bem que a amostragem usada para a datação pelo carbono-14 em 1988 não representa o linho do pano em causa, i.e., que os resultados dessa análise não têm significado; contudo outros métodos de datação mostram ser o pano do Séc. I A.D.
O projeto STEAMD “On The Rocks” de crescimento de cristais sobre suportes rugosos foi publicado na internet em 2008 (até 2015) e nas redes sociais a partir de 2012. Rochas, minerais, conchas e metais são utilizados como substratos para acelerar o crescimento de cristais de compostos inorgânicos em solução aquosa, numa técnica mais simples e rápida do que o método da semente suspensa por um fio. Apesar de impuros, e muitas vezes com hábito modificado, os cristais formam agregados lindíssimos, autênticas esculturas químicas que facilitaram a ligação à Arte de pintores, fotógrafos e designers, com padrões decorativos obtidos por regras de simetria simples. A cristalização, feita à lupa estereoscópica, permitiu compreender reações paralelas (soluto-substrato), reduzir os efeitos tóxicos de compostos metálicos de CrVI, Ni, Co, e reunir uma vasta coleção de fotomicrografias para gerar padrões decorativos virtuais, alguns impressos em tecido e papel para construção de origamis. Os modelos das redes cristalinas rigorosas dos compostos mais populares permitiram compreender a ligação química, estrutura e reatividade, servindo de complemento ilustrativo aos textos didáticos de Química Inorgânica e Analítica do Professor Fraústo da Silva.